quinta-feira, 5 de maio de 2011

Afinal, Simão toco não «morreu»

Mais abaixo, uma entrevista que fiz ao Bispo Nunes, da Igreja Tocoísta. Viagem nas histórias misteriosas da Igreja de Simão Toco.



Encarnou no Bispo Afonso Nunes
Afinal, Simão Toco não “morreu”

Simão Toco está “vivo”. Apesar do seu corpo não ter “resistido” à vida, ele encarnou em espírito no Bispo Dom Afonso Nunes, o actual líder da Igreja Tocoísta, que em entrevista ao Novo Jornal, fala sobre os “mistérios” da sua religião, que pretende abrir uma estação de rádio e criar uma universidade.

Álvaro Victória
  
Passados 59 anos após a fundação da Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo em Angola (Igreja Tocoísta) por Simão Toco. Que balanço faz?
O balanço é positivo, porquanto a igreja passou por um percurso muito difícil. Ao ultrapassarmos todas as dificuldades, ganhamos a maturidade. A igreja tem estado a crescer tanto em quantidade quanto em qualidade. Somos uma organização bastante representativa, tanto a nível nacional, quanto internacional.

Disse em representação, qual é a estimativa dos efectivos da vossa Igreja em Angola e o que significa estarem representados no estrangeiro?
Devido aos problemas de divisão por que a igreja passou, após a morte do seu fundador, Simão Gonçalves Toco, ( 31.12.84) tem sido difícil fazer um censo dos nossos membros, isto também porque uma parte ainda falat entegrar para que tenhamos uma unificação total. Acredito que estamos acima dos 500 mil fiéis. Por outro, a igreja já está representada, através de núcleos, na Europa (Portugal, Espanha, França, Alemanha, Holanda, Bélgica, Suiça e Suécia), na Ásia (Japão), e na África (RDC, Namíbia, Africa do Sul, Zimbabwe, Madagáscar, São-Tomé).

Falou em unificação. Como foram integrados os “12 Velhos” e o Bispo Osório Marques, das duas dentre as três partes envolvidas na divisão?

Como algumas pessoas sabem, a igreja dividiu-se em três partes reconhecidas oficialmente pelo Estado angolano. Esta divisão provocou uma dezena de ramificações que dificultaram de que maneira o processo de reunificação. Mas com o poder do Espírito Santo, a partir de 1996, começou-se uma nova era para a igreja, embora uma boa parte tenha-se mantido de fora. Mas em 2000, o Bispo Afonso Nunes foi revestido pelo espírito de Simão Toco para ir a Luanda, levando a mensagem de reconciliação da igreja. Não foi fácil as pessoas aceitarem isso, mas o espírito é forte e acaba sempre por vencer. Em Agosto de 2000, a igreja sentou-se e uniu-se. Esta união ainda não está concluída, ela é um processo. Uma boa parte dos 12 velhos ainda não está integrada. Por razões que não adianta recordar o irmão Osório Marques ainda não está integrado. Mas temos a fé que o espírito vai ajudar-nos a reconciliar.

Mas, como o senhor se identificaria. Como Bispo Nunes ou Simão Toco?
Simão Toco fracassou somente no corpo, como demonstração de ter sido humano, tal como foi com Cristo. Mas o seu espírito continua vivo e esta em mim, guinhando, animando-me e encorajando-me.

Conta-nos como foi este fenómeno?
Tal como Paulo foi usado como vaso de Jesus Cristo para transmitir a mensagem, foi da mesma forma como aconteceu comigo, na altura ancião-conselheiro. Tudo começou em 1985, quando comecei a ser habitado pelo Espírito Santo. Eu falava muito e as pessoas davam-me como maluco. Fui levado para Luanda numa psiquiatria. Mas mais tarde, as pessoas perceberam que aquilo que eu falava não era coisa de um louco. Eram factos que aconteciam. Foi assim que a igreja, já na minha terra natal, no Damba (Uíge), submeteu-me a um exame espiritual, isto em 1985. A partir daí, o Espírito Santo passou a tomar conta de mim e comecei a trabalhar arduamente para a igreja, desempenhado vários papéis, com destaque para ancião-conselheiro. Em 2000, acontece então a transformação espiritua, que chamamos também por personificação, quando o profeta Simão Gonçalves Toco falou em mim, dizendo que “Afonso em ti estarei e em ti irei levantar a minha igreja... o tabernáculo de David está caído”. A chamada não foi aceite facilmente tanto por mim, quanto para a família. Depois de muita resistência, o espírito falou mais alto. Em Julho do mesmo ano, depois de uma sessão de oração matinal, a igreja local decidiu em mandar-me para Luanda, para assumir a responsabilidade de que fui chamado. E no dia 16, acompanhado com um pastor e dois fiscais, peguei a mala, sem despedir a família, parti para Luanda. Fomos recebidos pela Tribo do Norte (uma organização dentro da Igreja) que nos acolheu durante 14 dias, pois a igreja central estudava ainda o caso que acabara de nascer. No dia 31 de Julho, participamos de uma reunião dos anciãos e conselheiros da direcção central, onde se passou a mensagem da chamada e logo começámos a trabalhar. Em um mês, levamos a mensagem aí onde estavam os grupos desavindos, alguns aceitaram e outros não. Finalmente, no dia 31 de Agosto do ano de 2000, realizámos a cerimónia de reconciliação da igreja, no Golfe, diante de cerca de 380 mil pessoas, segundo o Jornal de Angola. Foi através deste processo que a igreja está a tomar novo rumo, embora ainda algo falta fazer para a unificação total.

Fala-se que foi envenenado mais de duas vezes. Como resistiu à vida?
Nesta altura de unificação da Igreja não ideal tocarmos no assunto.

Porque é que os tocoístas não usam jóias, vestes de cor preta e vermelha?
A bíblia é como uma mata grande, onde cada um deve descobrir o caminho certo a seguir. Isso significa que, dependendo do dom que cada um recebe, há várias interpretações que podem surgir, daí que não usamos jóias, porque o livro de I Pedro assim diz. A cor preta, como sabemos, é símbolo de luto, então achamos que não faz sentido usá-la. A cor vermelha, como o livro de Isaías diz, simboliza sangue, por este motivo não usamos.

“Teremos uma estação de rádio”

Pretendem abrir uma estação de rádio ainda este ano. Como está o processo junto do estado e qual o objectivo do meio?
O processo está em bom caminho e aguardamos, expectantes, pela autorização por parte do Governo. O nosso objecto é exercer o poder que a própria informação tem. Vamos fazer da rádio um veículo de expansão do evangelho. Vamos trabalhar para a pacificação dos espíritos. É a missão da igreja. Já compramos o material tecnológico, que brevemente chega ao país. Vamos apostar na formação dos nossos quadros de modo a tomarmos nós mesmos a gerência da estação.

Quanto à universidade?
Temos o complexo escolar de nível médio Simão Gonçalves Toco e queremos agora atacar o ensino superior, criando uma universidade, que possa ajudar o Estado na formação dos angolanos. Pretendemos realizar este propósito nos próximos três ou quatro anos. Deixa-me referir que temos ainda um outro projecto da casa de Artes e Ofícios, que estará pronto ainda neste semestre. Queremos, com isso, criar uma escola que forme pessoas nalgumas artes como a culinária, pastelaria, corte e costura.

A Igreja Tocoísta está a construir um templo de grande dimensão, no Golfe. Quando é que acaba?
Foi a minha primeira missão, sempre no sentimento de edificar a casa do Senhor. Começámos em 2001. Parámos em 2003 devido algumas dificuldades, mas retomámos em 2007. Se não houver grandes contrariedades, estará pronto um templo de grande qualidade dentro de dois anos.

Para esta construção e outros projectos têm contado com o apoio do Governo?
(risos) É importante chamar atenção a algumas pessoas. A Igreja Tocoísta, durante estes anos que estou à frente dela, nunca recebeu apoio algum do Estado. Se um dia recebermos, não hesitaremos em anunciá-lo. O Espírito Santo tem ajudado os nossos membros. É com eles que fazemos o que estamos a fazer.

Como está o vosso enquadramento no Concelho de Igrejas Cristãs em Angola (CICA)?
O processo corre normalmente. Esta em fase de estudo. O Espírito Santo vai determinar tudo. Temos participado nalgumas actividades conjuntas. Isso é um bom sinal.

Fala-se que a igreja tem feito contacto para que o seu líder seja recebido pelo Presidente da República.
Embora essa informação não seja do nosso conhecimento, acho que é normal que uma igreja como a nossa pretenda manter um contacto com o mais alto líder do país. Se tivermos esta oportunidade, obviamente vamos dar o nosso ponto de vista de como o país anda e os nossos subsídios sobre o que se deve fazer.

“Maquela do Zombo é uma Cidade Santa”

Simão Toco foi ou não testemunha de Jeová?
Esta questão é pertinente. É somente porque engana muita gente. O que aconteceu é o seguinte: Simão Toco esteve ligado à Igreja Baptista (IEBA), onde foi baptizado em 1931, em Kibokolo, Uíge. Depois de concluir os estúdios primários, os missionárias levam-no para Luanda... Em 1945, na terra natal, cria o coro de Kibokolo, ainda na mesma igreja. O coro cresceu, tendo chegando aos três mil membros. E devido à necessidade de ensinar a palavra de Deus aos seus irmãos através de livros, e como sabemos que as testemunhas de Jeová são muito fortes em termos de literatura, comecei (fala agora como a encarnação de Simão Toco) a fazer contactos com ele de forma a obter os livros. É nesse sentido que se realiza o contacto entre as testemunhas de Jeová e eu (Simão Toco). Portanto Simão Toco nunca aderiu às testemunhas de Jeová.

Em 1996, houve rumores de um eventual reaparecimento de Simão Toco na Matala, província da Huíla.
Não se trata de rumores. Simão Toco falou ao Pastor Fernando Chiwale na Huíla, sobre a necessidade de a igreja unir-se. Isso originou numa reconciliação parcial, cujo auge foi a de 2000, já com o espírito de Simão toco no Bispo Afonso Nunes.

Como se encontra a família do fundador, após a sua morte(1984) e da sua da sua esposa, recentemente?
Infelizmente uma delas faleceu. A Hilda está bem. Encontra-se na Inglaterra a estudar. Temos mantido contacto com ela e com alguns familiares.

Como se encontra o seu túmulo, na Maquela do Zombo, Uíge?
Foi construído no local uma casa provisória, que cobre o túmulo. Pretendemos fazer do local uma Cidade Santa, porque foi lá onde nasceu o profeta escolhido por Deus para falar da sua palavra. Pretendemos construir lá grandes monumentos, de que nos possamos orgulhar e chamar a atenção ao mundo e, sobretudo, aos pesquisadores.

Que comentários faz sobre o Massacre dos Tocoístas no final dos anos 70, por alegada postura contra os ideais dos então governantes?
O país está em paz e há necessidade de não levantarmos mais fantasmas.

Sente-se satisfeito pela bibliografia que há sobre a vida de Simão Toco?
Há o possível. É difícil reunir em um só livro toda a vida de Simão Toco. Esperamos que surjam mais livros para enriquecer os que existem?

Como poderá ser a próxima encarnação?
As coisas de Deus são providências. Deus tem um calendário que só ele sabe. Tal como me usou, também fará com as outras pessoas.

Quem é?
Nome completo: Afonso Nunes
Data de nascimento: 20.05.1965
Naturalidade: Damba, Uíge
Formação: Enfermagem
Ocupação: Líder Espiritual da Igreja Tocoísta (encarnação de Simão Toco)
Filhos: cinco

Incertezas

Mais abaixo, um artigo de opinião que fiz uma semana antes do arranque do CAN, que o nosso país albergou, em Janeiro de 2010. Foi fixe saber que a análise foi, quase, o que aconteceu durante a prova.  Perfeitinho!

Opinião
Incertezas, a dias do CAN

Incertezas! É o cenário que vivemos a 30 dias do CAN, a «nossa» competição que se sonha “exemplar”, cuja realidade mostra tratar-se mesmo de um sonho, um sonho que começa estar em dúvidas de se concretizar face às «gotas amargas” que vão transbordando na sua organização.
São gotas que caem de um «recipiente de informação» controlado por um grupo restrito de pessoas, que não respeitam a ansiedade de um universo de mais de 12 milhões de habitantes que, também, têm o direito, ainda que reduzido, de estarem informados sobre o andamento das coisas, mesmo que pareçam não estar a andar.
Vivemos na incerteza! Na incerteza do sucesso na segurança das pessoas, não nós os “inseguros”, mas aqueles que virão para estenderem o seu olhar para o outro lado do CAN.
Há incerteza na saúde, com as pessoas a morrem à porta dos hospitais e as clínicas, apesar do elevado custo que cobram, desvendarem, nos últimos anos, insuficiências no que toca à assistência médica (recorde-se, por exemplo, o caso do malogrado Jorge Macedo).
Vivemos na incerteza da nossa capacidade de hospedagem ante a um número considerável de visitantes, repartidos entre as caravanas desportiva, política, turistas e outros interessados. É preocupante sabermos que, mesmo sem eles, os lugares nos poucos hotéis que existem são procurados como ouro.
As incertezas não param. À porta o CAN, os ingressos andam desaparecidos. Ou melhor nunca existiram. E quando existirem, espera-se que encontrem um engarrafamento de pessoas que há muito os aguardam.
Vivemos na incerteza de como as pessoas «alheias» vão chegar aos estádios, com o nosso sistema de transporte débil - o aéreo marcado por constantes adiamentos dos voos, o ferroviário existindo aos “miúdos”.
No rodoviário, olha-se com esperança nos autocarros, aqueles mesmo que vemos nas nossas engarrafadas e esburacadas estradas quase sempre avariados.
Nem mesmo aqueles que nos poderão fazer esquecer todas essas eventuais falhas - os Palancas Negras – fogem às nossas incertezas, com uma preparação que tem mostrado ainda não estarem preparados para chegar «longe« no CAN.
Aumentam ainda mais as nossas incertezas ao sabermos que há um «contra-senso» quanto à massa «gorda» exigida pelos jogadores, que, embora anteciparam a discussão, ainda não se sabe quem vai ao CAN. Eles temem, fundamentalmente, represália caso não consigam sucesso no CAN. Em palavras miúdas, eles começam já a antever fracasso: é uma incerteza.
As nossas incertezas viagem no tempo, para questionar sobre o futuro dos nossos novos estádios, após o CAN. Justifica-se que não haverá jogos nos estádios para não «ferir» a relva, sinal que não há capacidade para as recuperar.
São muitas as incertezas.

Victória Maviluka


É difícil correr mais que sayovo

Mais abaixo está uma entrevista que fiz ao guia de José Sayovo. Tentei sair do normal, que seria uma peça com o próprio Sayo.


Abel Mariti, o guia
É difícil correr mais que Sayovo

Entrevista: Álvaro Victória
Fotos: Ampe Rogério



José Armando Sayovo é um nome sonante do atletismo mundial para portador de deficiência. São várias as medalhas de ouro somadas em uma década de competição internacional. As mais recentes foram conquistadas no mundial da Turquia, no qual Sayovo foi «dirigido» por Abel Mariti. Em entrevista ao NJ, o guia revelou que, apesar dos 38 anos, Sayovo ainda tem «pernas» para dominar as pistas.
Em 2007 Abel Mariti foi convidado para servir de guia de José Sayovo, aquando da preparação para os Jogos Paralímpicos da China, em 2008.
Mariti tinha a difícil tarefa de substituir Manuel Marques, que «guiou» Sayovo ao brilharete dos Jogos Paralímpicos de Atenas, na Grécia, com a histórica conquista de três medalhas de ouro.
A primeira dificuldade para o guia veio do próprio Sayovo, que pretendia que a dupla de Atenas não fosse mudada, uma «novela» que ganhou espaço e mediatização na média.
A forma física que apresentava Manuel Marques constituía, segundo a equipa técnica e a direcção do Comité Paralímpico Angolano, um perigo para a defesa das medalhas conquistadas na China. Por conseguinte, Sayovo foi obrigado a render-se e a aceitar um novo desafio de ser guiado por Mariti.
O primeiro desafio da «dupla» foram os Jogos Paralímpicos da China, em 2008, em que José Sayovo foi superado pelo brasileiro Lucas Prado, que conquistou três medalhas de ouro.
O angolano ficou com as medalhas de prata. Alguns consideraram como uma «tempestade» a sua prestação, embora Sayovo a considerasse de «positiva».
Contudo, a «abundância» não tardou em chegar. A «dupla» esteve em grande este ano no mundial da Turquia, conquistando duas medalhas de ouro e uma de prata.
José Sayovo conquistou as medlhas de ouro nos 200 metros, com o tempo de 24 segundos e 22 décimos, e nos 400 com 53.49 e a prata nos 100 metros, com o tempo de 11.72.
Foi um momento ímpar para Abel Mariti:
«É a recompensa do trabalho de equipa que realizámos, há três anos».
O corredor do Interclube, de 34 anos, recebeu do Governo da Província de Luanda uma casa no Zango e mais dois mil dólares.



Caixa 1
Marcas equilibradas
A marca é um pressuposto importante para se definir o guia de um atleta paralímpico. Como é óbvio, o guia deve correr mais que o atleta.
Entretanto, a diferença entre as marcas de Mariti em relação às de José Sayovo são mínimas, o que demonstra a potencialidade da velocidade do atleta paralímpico.
Para os 400 metros, por exemplo, o corredor do Interclube precisa de 49 segundos, apenas menos um segundo em relação ao record de Sayovo nos Jogos Paralímpicos de Atenas.
«Sayovo tem uma velocidade capaz de enfrentar atletas normais. A cada treino, sinto a necessidade de melhorar a minha marca, de forma a estar em condições de o guiar», referiu.
Mariti realçou que o guia tem um importante papel nas pistas e deve cumprir algumas regras, sob pena de um mínimo erro ser fatal para o atleta:
«É necessário concentração do início ao fim. Não nos podemos adiantar nem atrasar».
O atleta revelou-nos que durante a corrida mantém Sayovo actualizado sobre as características do piso, as curvas e as posições dos concorrentes:
«Partimos com uma velocidade moderada. Eu controlo os concorrentes à esquerda e ele à direita. Aviso-o quando nos aproximamos das curvas. Aceleramos quando nos avizinhamos da meta».
Como qualquer outra modalidade, Abel Mariti disse que o segredo do sucesso está nos treinos:
«Cada terreno é uma mudança. A corrida de acesso à final é feita com gestão rigorosa dos esforços. Temos que ter em conta que precisamos de nos apurar. Mas é necessário sabermos que a etapa derradeira está para vir. Por isso precisamos gerir convenientemente os esforços».


Caixa 2
Sayovo está «em dia»
Com 38 anos, José Sayovo ainda possui forças para correr e continuar a ser dos primeiros a cortar a meta, como afirma o próprio guia:
«É um atleta com uma postura física espectacular. Ainda tem muito para dar».
Mais reservado, Sayovo realçou que a idade já lhe vai pesando e que tem pensado na «aposentação»:
«É um destino obrigatório. Estou preocupado com a minha substituição. Infelizmente temos registado poucos talentos, capazes de assegurar os níveis já alcançados pelo atletismo angolano».
A «jogar» na antecipação, Sayovo e Mariti já trabalham para a conquista do ouro nos Jogos Panafricanos, que terão lugar em Moçambique e que servirão de antecâmara para as Paralímpiadas de Londres, na qual pretendem repetir os êxitos.

Estamos muito atrasados

As ideais de Lito Vidigal

Estamos muito atrasados

Entrevista
Manuel António
e Álvaro Vitória
Fotos
Ampe Rogério



O futebol das selecções esta mergulhado em crise profunda. Dos seniores aos juvenis, passando pelos juniores e sub-23 – na opinião de Lito Vidigal o perfil ajusta-se a uma equipa B – nada funciona. Os resultados falam por si, pese o facto do brilharete imprevisto no Chan. Para o seleccionador nacional, profuso nas ideias, mas, contido na crítica, a solução, ou soluções, dependem da seriedade, da vontade estratégica e, acima de tudo, dos meios que é preciso disponibilizar.
Vive-se um pouco ao jeito da «casa sem pão onde todos ralham e ninguém tem razão». Perante cenário pouco convidativo porque bulas Lito Vidigal aceitou substituir Hervé Renard?

Foi contratado no fim de ciclo de uma plêiade de excelentes jogadores. Não considera a sua aposta arriscada?
Junte-se, também, o fim de ciclo federativo. São duas transições que não são fáceis de gerir. Todos estamos obrigados a empreender um esforço brutal. Sou pessoa habituada a desafios e estou, como sempre, disposto a dar tudo para superar este desafio.

Há problemas estruturais sérios no futebol angolano. Objectivos de curto prazo como os CAN’s 2012 e 2014 e o «Mundial» do Brasil não estarão em perigo?
Em relação ao próximo CAN, por exemplo, temos de admitir que a situação que se nos depara é bastante complicada. Tal não impede, porém, que continuemos firmes, procurando fazer bem o nosso trabalho na perspectiva de vencer os jogos que nos faltam. Embora seja muito, mas muito difícil, o apuramento ainda é possível. Quanto ao futuro próximo tudo depende de nós e da nossa capacidade em superar as dificuldades.

Não seria mais coerente começar-se desde já a trabalhar o médio prazo?
A minha filosofia é melhorar sempre, independentemente das pessoas com as quais estou a trabalhar. Não me passa pela cabeça estabelecer um interregno. Não é compensatório e cerceia a vontade de progredir. O apuramento para o próximo CAN, sendo difícil, é um objectivo ainda em aberto e por cumprir. Temos um grupo de jogadores capazes de alimentar a nossa esperança. Paralelamente aos objectivos imediatos, temos de acautelar os processos estruturantes, de modo a conseguirmos saltar dos feitos isolados para o sucesso regular…

A reestruturação do nosso futebol está, implicitamente, ligada às selecções mais jovens, aos campeonatos juvenis…
Reconheço alguma responsabilidade nessa matéria. Mantive encontros com autoridades superiores do desporto angolano, às quais apresentei a minha ideia quanto ao futebol jovem. Precisamos de dar maior dinâmica e competitividade aos campeonatos dos escalões de formação. É aqui que se geram os benefícios da selecção principal.

A falsificação das idades e a necessidade de afirmação de uma matriz do futebol angolanos são fenómenos recorrentes. O que pensa fazer para alterar este quadro?
Preocupa-me. Temos de mudar hábitos e filosofias de trabalho. Há uma imperiosa necessidade de se pensar futebol. É necessário criar e desenvolver as bases que nos irão permitir corrigir hábitos e, simultaneamente, ajudar na afirmação de um estilo genuinamente angolano. Tenho conversado com os dirigentes da Federação sobre um projecto de apoio aos técnicos, que pretendo implementar nos próximos dias. Estou preocupado com as poucas horas de competição dos nossos campeonatos de juvenis e juniores. Por outro lado, parece-me que a idade juvenil se prolonga para além do razoável. Ao contrário da Europa, onde os jogadores com 17/18 anos participam, com regularidade, na alta competição sénior. Estou ainda mais preocupado com a adulteração de idades.
Julgo, porém, que se trata de um problema cultural e político. Tenho conversado de forma aberta com alguns jogadores dos nossos escalões de formação. O que tenho constatado é que não é só pelo futebol que os pais decidem adulterar as idades dos seus filhos. São, também, os interesses académicos. Esta é uma questão que se deve debater abertamente. Não se pode continuar a tapar o sol com a peneira.

O segundo lugar no Chan foi ou não obra do acaso. A preparação foi conturbada e treinador mudou na véspera da competição…
Que fique claro: não foi obra do acaso. Acho mesmo que se trata de uma conclusão disparatada, que não respeita jogadores e equipa técnica. O que aconteceu no Chan só foi possível com muito trabalho, seriedade, observação e inteligência. Não se chega a uma final por acaso, ainda por cima numa prova que contou com selecções tidas como mais fortes. Não trabalho para cumprir calendário, nem tão pouco para obras do acaso.

Do que tem visto até agora, ao nível de selecção e de clubes, Angola pode, no médio prazo, assumir, no futebol, a importância que tem, por exemplo, no basquetebol e andebol?
Sou optimista por natureza, mas, cauteloso. Temos, todos, de trabalhar seriamente para atingir grandes patamares. O sucesso, com regularidade, é, sempre, fruto de trabalho, empenho e organização. A todos os níveis. Reconheço, no entanto, que estamos muito atrasados.

Tem em mente o que é necessário fazer de modo a explorar o perfil do futebol angolano? A falta de atacantes ataque é por demais evidente…
O jogador angolano é muito frágil na decisão, o que é um problema muito grave. Já partilhei este ponto de vista com alguns dirigentes e «experts» do futebol. Quantas vezes assistimos a um jogo e registamos, no final, mais de quinze oportunidades de golo sem que se tenha concretizado uma? E isto não significa que tenhamos defesas fortes. Não. O que se passa tem mais que ver com o treino específico, com a mentalidade dos atletas, e, nalguns casos, até com a própria cultura futebolística e as emoções que são transmitidas de fora para dentro do relvado.

Como inverter este cenário?
Precisamos de trabalhar muito a orientação; a posição, o passe, a recepção… São coisas básicas. É importante que se dê atenção especial à base do nosso futebol.

«Ó Elvas… Ó Elvas…

O centro do mundo
da família Vidigal

A família Vidigal, angolana, radicou-se em Elvas, cidade portuguesa raiana, vizinha de Badajoz, do outro lado da fronteira, e de Campo Maior, que ganhou relevo no mapa mundial devido à indústria de torrefacção de café (Delta e Camelo), impulsionada pela visão de Rui Nabeiro, o mais ilustre filho da terra.
E foi num dos mais históricos clubes portugueses, cujos feitos gloriosos resistem ao tempo e à litoralização do futebol, que cinco jogadores, angolanos, atingiram notoriedade.
Para os elvenses, os Vidigais são filhos da terra, alentejanos. E a prova do apreço da cidade, também famosa pelo seu presídio militar, para onde foram enviados os refractários e todos quantos se negaram a participar na guerra colonial, está no facto de a autarquia ter decidido dar o nome de uma rua a Luís Vidigal, o jogador do clã que atingiu maior notoriedade, numa transferência que deu brado, do Sporting para a Udinese, da Série A, italiana.
Raro, nesta família, é o facto de cinco irmãos terem enveredado pelo futebol, chegando a dar-se a coincidência de quatro deles (Luís, Lito, Jorge e Toni) jogarem ao mesmo tempo, ao mais alto nível, no futebol português (3) e italiano.
Jorge Vidigal, jogador do Recreativo do Caála, é o único em actividade.
Centro do mundo de uma família angolana, Elvas, outrora epicentro do contrabando entre Espanha e Portugal, atingiu o apogeu da fama na voz de Paço Bandeira, que a popularizou com a cantiga «Ó Elvas… Ó Elvas… Badajoz à vista…».