quinta-feira, 5 de maio de 2011

Estamos muito atrasados

As ideais de Lito Vidigal

Estamos muito atrasados

Entrevista
Manuel António
e Álvaro Vitória
Fotos
Ampe Rogério



O futebol das selecções esta mergulhado em crise profunda. Dos seniores aos juvenis, passando pelos juniores e sub-23 – na opinião de Lito Vidigal o perfil ajusta-se a uma equipa B – nada funciona. Os resultados falam por si, pese o facto do brilharete imprevisto no Chan. Para o seleccionador nacional, profuso nas ideias, mas, contido na crítica, a solução, ou soluções, dependem da seriedade, da vontade estratégica e, acima de tudo, dos meios que é preciso disponibilizar.
Vive-se um pouco ao jeito da «casa sem pão onde todos ralham e ninguém tem razão». Perante cenário pouco convidativo porque bulas Lito Vidigal aceitou substituir Hervé Renard?

Foi contratado no fim de ciclo de uma plêiade de excelentes jogadores. Não considera a sua aposta arriscada?
Junte-se, também, o fim de ciclo federativo. São duas transições que não são fáceis de gerir. Todos estamos obrigados a empreender um esforço brutal. Sou pessoa habituada a desafios e estou, como sempre, disposto a dar tudo para superar este desafio.

Há problemas estruturais sérios no futebol angolano. Objectivos de curto prazo como os CAN’s 2012 e 2014 e o «Mundial» do Brasil não estarão em perigo?
Em relação ao próximo CAN, por exemplo, temos de admitir que a situação que se nos depara é bastante complicada. Tal não impede, porém, que continuemos firmes, procurando fazer bem o nosso trabalho na perspectiva de vencer os jogos que nos faltam. Embora seja muito, mas muito difícil, o apuramento ainda é possível. Quanto ao futuro próximo tudo depende de nós e da nossa capacidade em superar as dificuldades.

Não seria mais coerente começar-se desde já a trabalhar o médio prazo?
A minha filosofia é melhorar sempre, independentemente das pessoas com as quais estou a trabalhar. Não me passa pela cabeça estabelecer um interregno. Não é compensatório e cerceia a vontade de progredir. O apuramento para o próximo CAN, sendo difícil, é um objectivo ainda em aberto e por cumprir. Temos um grupo de jogadores capazes de alimentar a nossa esperança. Paralelamente aos objectivos imediatos, temos de acautelar os processos estruturantes, de modo a conseguirmos saltar dos feitos isolados para o sucesso regular…

A reestruturação do nosso futebol está, implicitamente, ligada às selecções mais jovens, aos campeonatos juvenis…
Reconheço alguma responsabilidade nessa matéria. Mantive encontros com autoridades superiores do desporto angolano, às quais apresentei a minha ideia quanto ao futebol jovem. Precisamos de dar maior dinâmica e competitividade aos campeonatos dos escalões de formação. É aqui que se geram os benefícios da selecção principal.

A falsificação das idades e a necessidade de afirmação de uma matriz do futebol angolanos são fenómenos recorrentes. O que pensa fazer para alterar este quadro?
Preocupa-me. Temos de mudar hábitos e filosofias de trabalho. Há uma imperiosa necessidade de se pensar futebol. É necessário criar e desenvolver as bases que nos irão permitir corrigir hábitos e, simultaneamente, ajudar na afirmação de um estilo genuinamente angolano. Tenho conversado com os dirigentes da Federação sobre um projecto de apoio aos técnicos, que pretendo implementar nos próximos dias. Estou preocupado com as poucas horas de competição dos nossos campeonatos de juvenis e juniores. Por outro lado, parece-me que a idade juvenil se prolonga para além do razoável. Ao contrário da Europa, onde os jogadores com 17/18 anos participam, com regularidade, na alta competição sénior. Estou ainda mais preocupado com a adulteração de idades.
Julgo, porém, que se trata de um problema cultural e político. Tenho conversado de forma aberta com alguns jogadores dos nossos escalões de formação. O que tenho constatado é que não é só pelo futebol que os pais decidem adulterar as idades dos seus filhos. São, também, os interesses académicos. Esta é uma questão que se deve debater abertamente. Não se pode continuar a tapar o sol com a peneira.

O segundo lugar no Chan foi ou não obra do acaso. A preparação foi conturbada e treinador mudou na véspera da competição…
Que fique claro: não foi obra do acaso. Acho mesmo que se trata de uma conclusão disparatada, que não respeita jogadores e equipa técnica. O que aconteceu no Chan só foi possível com muito trabalho, seriedade, observação e inteligência. Não se chega a uma final por acaso, ainda por cima numa prova que contou com selecções tidas como mais fortes. Não trabalho para cumprir calendário, nem tão pouco para obras do acaso.

Do que tem visto até agora, ao nível de selecção e de clubes, Angola pode, no médio prazo, assumir, no futebol, a importância que tem, por exemplo, no basquetebol e andebol?
Sou optimista por natureza, mas, cauteloso. Temos, todos, de trabalhar seriamente para atingir grandes patamares. O sucesso, com regularidade, é, sempre, fruto de trabalho, empenho e organização. A todos os níveis. Reconheço, no entanto, que estamos muito atrasados.

Tem em mente o que é necessário fazer de modo a explorar o perfil do futebol angolano? A falta de atacantes ataque é por demais evidente…
O jogador angolano é muito frágil na decisão, o que é um problema muito grave. Já partilhei este ponto de vista com alguns dirigentes e «experts» do futebol. Quantas vezes assistimos a um jogo e registamos, no final, mais de quinze oportunidades de golo sem que se tenha concretizado uma? E isto não significa que tenhamos defesas fortes. Não. O que se passa tem mais que ver com o treino específico, com a mentalidade dos atletas, e, nalguns casos, até com a própria cultura futebolística e as emoções que são transmitidas de fora para dentro do relvado.

Como inverter este cenário?
Precisamos de trabalhar muito a orientação; a posição, o passe, a recepção… São coisas básicas. É importante que se dê atenção especial à base do nosso futebol.

«Ó Elvas… Ó Elvas…

O centro do mundo
da família Vidigal

A família Vidigal, angolana, radicou-se em Elvas, cidade portuguesa raiana, vizinha de Badajoz, do outro lado da fronteira, e de Campo Maior, que ganhou relevo no mapa mundial devido à indústria de torrefacção de café (Delta e Camelo), impulsionada pela visão de Rui Nabeiro, o mais ilustre filho da terra.
E foi num dos mais históricos clubes portugueses, cujos feitos gloriosos resistem ao tempo e à litoralização do futebol, que cinco jogadores, angolanos, atingiram notoriedade.
Para os elvenses, os Vidigais são filhos da terra, alentejanos. E a prova do apreço da cidade, também famosa pelo seu presídio militar, para onde foram enviados os refractários e todos quantos se negaram a participar na guerra colonial, está no facto de a autarquia ter decidido dar o nome de uma rua a Luís Vidigal, o jogador do clã que atingiu maior notoriedade, numa transferência que deu brado, do Sporting para a Udinese, da Série A, italiana.
Raro, nesta família, é o facto de cinco irmãos terem enveredado pelo futebol, chegando a dar-se a coincidência de quatro deles (Luís, Lito, Jorge e Toni) jogarem ao mesmo tempo, ao mais alto nível, no futebol português (3) e italiano.
Jorge Vidigal, jogador do Recreativo do Caála, é o único em actividade.
Centro do mundo de uma família angolana, Elvas, outrora epicentro do contrabando entre Espanha e Portugal, atingiu o apogeu da fama na voz de Paço Bandeira, que a popularizou com a cantiga «Ó Elvas… Ó Elvas… Badajoz à vista…».



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